O anúncio faz-se caridade
«Ai de mim, se eu não evangelizar!»:
dizia o apóstolo Paulo (1 Cor 9, 16).
Esta frase ressoa, com força, aos ouvidos de cada cristão e de cada
comunidade cristã em todos os Continentes.
Mensagem do Santo Padre para Dia Mundial das Missões
FAZER BRILHAR A PALAVRA DA VERDADE
Queridos irmãos e irmãs!
Neste
ano, a celebração do Dia Mundial das Missões reveste-se dum significado muito
particular. A ocorrência do cinquentenário do inicío do Concílio Vaticano II, a
abertura do Ano da Fé e o Sínodo dos Bispos cujo tema é a nova evangelização
concorrem para reafirmar a vontade da Igreja se empenhar, com maior coragem e
ardor, na missio ad gentes, para que o Evangelho chegue até aos últimos confins
da terra.
Com
a participação dos Bispos católicos vindos de todos os cantos da terra, o
Concílio Ecuménico Vaticano II constituiu um sinal luminoso da universalidade
da Igreja pelo número tão elevado de Padres conciliares que nele se congregou,
pela primeira vez, provenientes da Ásia, da África, da América Latina e da
Oceânia. Tratava-se de Bispos missionários e Bispos autóctones, Pastores de
comunidades disseminadas entre populações nãocristãs, que trouxeram para a
Assembleia conciliar a imagem duma Igreja presente em todos os continentes e se
fizeram intérpretes das complexas realidades do então chamado «Terceiro Mundo».
Enriquecidos com a experiência própria de Pastores de Igrejas jovens e em vias de formação, apaixonados pela difusão
do Reino de Deus, eles contribuíram de maneira relevante para se reafirmar a
necessidade e a urgência da evangelização ad gentes e, consequentemente,
colocar no centro da eclesiologia a natureza missionária da Igreja.
Eclesiologia
missionária
Hoje
uma tal visão não esmoreceu; antes, tem conhecido uma fecunda reflexão
teológica e pastoral e, ao mesmo tempo, repropõe-se com renovada urgência,
porque aumentou o número daqueles que ainda não
conhecem
Cristo. «Os homens, à espera de Cristo, constituem ainda um número imenso»,
afirmava o Beato João Paulo II na Encíclica Redemptoris missio sobre a validade
permanente do mandato missionário; e acrescentava: «Não podemos ficar
tranquilos, ao pensar nos milhões de irmãos e irmãs nossas, também eles
redimidos pelo sangue de Cristo, que ignoram ainda o amor de Deus» (n. 86). Por
minha vez, ao proclamar o Ano da Fé, escrevi que Cristo «hoje, como outrora,
envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os povos
da terra» (Carta ap. Porta fidei, 7). E esta proclamação – como referia o Servo
de Deus Paulo VI, na Exortação
apostólica Evangelii nuntiandi – «não é para a Igreja uma contribuição
facultativa: é um dever que lhe incumbe, por mandato do Senhor Jesus, a fim de
que os homens possam acreditar e ser salvos. Sim, esta mensagem é necessária;
ela é única e não poderia ser substituída» (n. 5). Por conseguinte, temos
necessidade de reaver o mesmo
ímpeto
apostólico das primeiras comunidades cristãs, que, apesar de pequenas e
indefesas, foram capazes, com o anúncio e o testemunho, de difundir o Evangelho
por todo o mundo conhecido de então.
Por
isso não surpreende que tanto o Concílio
Vaticano II como o Magistério sucessivo da Igreja insistam, de modo especial, sobre
o mandato missionário que Cristo confiou aos seus discípulos e que deve ser
empenho de todo o Povo de Deus: Bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos,
religiosas e leigos. O cuidado de
anunciar o Evangelho em toda a terra compete, primariamente, aos Bispos
enquanto responsáveis directos da evangelização no mundo, quer como membros do
Colégio Episcopal, quer como Pastores das Igrejas particulares. Efectivamente,
eles «foram consagrados não apenas para
uma diocese, mas para a salvação de todo o mundo» (João Paulo II, Carta enc.
Redemptoris missio, 63), sendo o Bispo «um pregador da fé, que conduz a Cristo
novos discípulos» (Ad gentes, 20) e «torna presentes e como que palpáveis o
espírito e o ardor missionário do Povo de Deus, de maneira que toda a diocese
se torna missionária» (Ibid., 38).
A prioridade da evangelização
Assim,
para um Pastor, o mandato de pregar o Evangelho não se esgota com a solicitude
pela porção do Povo de Deus confiada aos seus cuidados pastorais, nem com o
envio de qualquer sacerdote, leigo ou leiga
fidei donum. O referido mandato deve envolver toda a actividade da
Igreja particular, todos os seus sectores, em suma, todo o seu ser e operar:
indicou-o claramente o Concílio Vaticano II, e o Magistério sucessivo
reiterou-o com vigor. Isto exige que estilos de vida, planos pastorais e
organização diocesana se adequem, constantemente, a esta dimensão fundamental
de ser Igreja, sobretudo num mundo como o nosso em contínua transformação. E o
mesmo vale para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
Apostólica e também para os Movimentos eclesiais: todos os elementos que
compõem o grande mosaico da Igreja devem sentir-se fortemente interpelados pelo
mandato de pregar o
Evangelho
para que Cristo seja anunciado em toda a parte. Nós, Pastores, com os
religiosos, as religiosas e todos os fiéis em Cristo, devemos seguir as pegadas
do apóstolo Paulo, o qual, «prisioneiro de Cristo pelos gentios» (Ef 3, 1),
trabalhou, sofreu e lutou para fazer chegar o Evangelho ao meio dos gentios
(cf. Col 1, 24-29), sem poupar energias, tempo e meios para dar a conhecer a
Mensagem de Cristo.
Também hoje a missão ad gentes deve ser o horizonte constante e o
paradigma de toda a actividade eclesial, porque a própria identidade da Igreja
é constituída pela fé no Mistério de Deus, que se revelou em Cristo para nos
dar a salvação, e pela missão de O testemunhar e anunciar ao mundo até ao seu
regresso. Como São Paulo, devemos ser solícitos pelos que estão longe, por
quantos ainda não conhecem Cristo nem experimentaram a paternidade de Deus,
conscientes de que «a cooperação se alarga hoje para novas formas, não só no
âmbito da ajuda económica mas também no da participação directa» na
evangelização (João Paulo II, Carta enc.
Redemptoris missio, 82).
A
celebração do Ano da Fé e do Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização serão
ocasiões propícias
para um relançamento da
cooperação missionária, sobretudo nesta segunda dimensão.
Fé e anúncio
O
anseio de anunciar Cristo impele-nos também a ler a história para nela
vislumbrarmos os problemas, aspirações e esperanças da humanidade que Cristo
deve sanar, purificar e colmatar com a sua presença. De facto, a sua Mensagem é
sempre actual, penetra no próprio coração da história e é capaz de dar resposta
às inquietações mais profundas de cada homem. Por isso a Igreja, em todos os
seus componentes, deve estar ciente de que «os horizontes imensos da missão
eclesial e a complexidade da situação presente requerem hoje modalidades
renovadas para se poder comunicar eficazmente a Palavra de Deus» (Bento XVI,
Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini, 97). Isto exige, antes de mais, uma
renovada adesão de fé pessoal e comunitária ao Evangelho de Jesus Cristo, «num
momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver» (Carta ap.
Porta fidei, 8).
Com
efeito, um dos obstáculos ao ímpeto da evangelização é a crise de fé, patente
não apenas no mundo ocidental mas também em grande parte da humanidade, que no
entanto tem fome e sede de Deus e deve ser convidada e guiada para o pão da
vida e a água viva, como a Samaritana que vai ao poço de Jacob e fala com
Cristo. Como narra o Evangelista João, o caso desta mulher é particularmente
significativo (cf. Jo 4, 1-30): encontra Jesus, que começa por lhe pedir de beber mas depois fala-lhe duma água nova,
capaz de apagar a sede para sempre. Inicialmente a mulher não entende, detém-se
ao nível material, mas lentamente é guiada pelo Senhor fazendo um caminho de fé
que a leva a reconhecê-Lo como o Messias. E a este propósito afirma Santo
Agostinho: «Depois de ter acolhido no coração Cristo Senhor, que mais poderia
fazer [aquela mulher] senão deixar ali o cântaro e correr a anunciar a boa
nova?» (In Ioannis Ev.,15, 30). O encontro com Cristo como Pessoa viva que
sacia a sede do coração só pode levar ao desejo de partilhar com os outros a
alegria desta presença e de a dar a conhecer para que todos a possam
experimentar. É preciso reavivar o entusiasmo da comunicação da fé, para se
promover uma nova evangelização das comunidades e dos países de antiga tradição
cristã que estão a perder a referência a Deus, e deste modo voltarem a
descobrir a alegria de crer. A preocupação de evangelizar não deve jamais ficar
à margem da actividade eclesial e da vida pessoal do cristão, mas há-de caracterizá-la
intensamente, cientes de sermos destinatários e ao mesmo tempo missionários do
Evangelho. O ponto central do anúncio permanece sempre o mesmo: o Kerigma de
Cristo morto e ressuscitado pela salvação do mundo, o Kerigma do amor absoluto
e total de Deus por cada homem e
cada
mulher, cujo ponto culminante se situa no envio do Filho eterno e unigénito, o
Senhor Jesus, que não desdenhou assumir a pobreza da nossa natureza humana,
amando-a e resgatando-a do pecado e da morte por meio da oferta de Si mesmo na
cruz. A fé em Deus, neste desígnio de amor realizado em Cristo é, antes de
mais, um dom e um mistério que se há-de acolher no coração e na vida e pelo
qual se deve agradecer sempre ao Senhor. Mas a fé é um dom que nos foi
concedido para ser partilhado; é um talento recebido para que dê fruto; é uma
luz que não deve ficar escondida, mas iluminar toda a casa. É o dom
mais
importante que recebemos na nossa vida e que não podemos guardar para nós
mesmos.
O anúncio faz-se caridade
«Ai de mim, se eu não evangelizar!»:
dizia o apóstolo Paulo (1 Cor 9, 16).
Esta
frase ressoa, com força, aos ouvidos de cada cristão e de cada comunidade
cristã em todos os Continentes. Mesmo nas Igrejas dos territórios de missão,
Igrejas em grande parte jovens e frequentemente de recente fundação, já se
tornou uma dimensão conatural a missionariedade, apesar de elas mesmas
precisarem ainda de missionários. Muitos sacerdotes, religiosos e religiosas,
de todas as partes do mundo, numerosos leigos e até mesmo famílias inteiras
deixam os seus próprios países, as suas comunidades locais e vão para outras
Igrejas testemunhar e anunciar o Nome de Cristo, no qual encontra a salvação a
humanidade. Trata-se duma expressão de profunda comunhão, partilha e caridade
entre as Igrejas, para que cada homem possa ouvir, pela primeira vez ou de
novo, o anúncio que cura e aproximar-se dos Sacramentos, fonte da verdadeira
vida.
Associadas
com este sinal sublime da fé que se transforma em caridade, estão as
Pontifícias Obras Missionárias, instrumento ao serviço da cooperação na missão
universal da Igreja no mundo, que recordo e agradeço. Através da sua acção, o
anúncio do Evangelho torna-se também intervenção a favor do próximo, justiça
para com os mais pobres, possibilidade de instrução nas aldeias mais distantes,
assistência médica em lugares remotos, emancipação da miséria, reabilitação de
quem vive marginalizado, apoio ao desenvolvimento dos povos, superação das
divisões étnicas, respeito pela vida em todas as suas fases.
Queridos
irmãos e irmãs, invoco sobre a obra de evangelização ad gentes, e de modo
particular sobre os seus obreiros, a efusão do Espírito Santo, para que a Graça
de Deus a faça avançar mais decididamente na história do mundo. Apraz-me rezar
assim com o Beato John Henry Newman: «Acompanhai, Senhor, os vossos
missionários nas terras a evangelizar, colocai as palavras certas nos seus
lábios, tornai frutuosa a sua fadiga».
Que a Virgem Maria, Mãe da
Igreja e Estrela da Evangelização, acompanhe todos os missionários do
Evangelho.
Vaticano,
6 de Janeiro – Solenidade da Epifania do Senhor – de 2012.
BENEDICTUS
PP. XVI
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